O Dilúvio do Gênesis: Verdade ou Mito? | PARTE 3

Dilúvio: global, histórico e multicultural
Dilúvio: global, histórico e multicultural

Dos historiadores e arqueólogos que se propõem a pesquisar acerca de algum evento bíblico, é bem provável que o Dilúvio de Noé seja o de maior pesquisa e divulgação até a presente data. Em parte por seu apelo épico (como já discutido em Parte 1: Introdução), porém também por esta história conter um dos objetos mais instigadores àqueles que têm um “Q” de Indiana Jones: A arca… de Noé.

De antemão, é bom ratificar: apesar de evidências históricas e arqueológicas importantes do relato bíblico (como veremos adiante), ninguém ainda achou a arca. O prof. Rodrigo Silva, doutor em arqueologia bíblica, fez o oportuno comentário: “Ao todo já relacionei ao relatório mais de 40 supostos achados da arca de Noé e além de serem todos falsos ou inconclusos, eles têm mais dois pontos em comum: primeiro que foram todos encontrados por leigos sem nenhuma formação ou treinamento de arqueologia e segundo, que a maioria deles convenceu muitas pessoas apesar de apresentarem provas questionáveis e relatos contraditórios.”[1]

Contudo, apesar da arca ainda estar desaparecida, há fortes evidências para acreditar-se “pelo menos” que, em algum momento, uma catástrofe hídrica global aconteceu.

Catástrofe global ou local?

Antes de avaliarmos as evidências empíricas, vale ressaltar a discussão que em tempos é levantada sobre a real extensão do Dilúvio. Embora o entendimento geral de que o evento tenha sido global, alguns, a fim de defenderem o modelo geológico evolucionista (como veremos em Parte 5: Geologia), atribuem à inundação uma aplicação local em vez de universal. Resumidamente, os principais argumentos aceitos para a compreensão global do Dilúvio são:

(1) A necessidade da arca;
(2) As dimensões da arca;
(3) A necessidade dos animais irem à arca;
(4) A necessidade de aves na arca;
(5) O julgamento era universal;
(6) O Dilúvio era um tipo de julgamento vindouro;
(7) As águas submergiram os montes;
(8) A duração do Dilúvio;
(9) A promessa de Deus;
(10) Os povos descendem de Noé e sua família;
(11) A terminologia hebraica registrada em Gênesis;
(12) O Novo Testamento retrata o Dilúvio como global (Jesus e apóstolos).

Para uma pesquisa mais detalhada sobre o assunto, sugerimos conferir as referências [2], [3] e [4].

Além dos argumentos acima elencados, as evidências multiculturais também, em certa medida, sugerem uma catástrofe hídrica mundial.

Um registro multicultural

Sob a luz da arqueologia, relatos contidos em artefatos têm evidenciado a veracidade bíblica do relato de Gênesis. O Dr. Rodrigo Silva afirmou que: “Já foram encontradas e decifradas mais de 40 versões antigas sobre o dilúvio, que datam de até 2100 a.C. Gravadas em antigos códigos ainda preservados, essas versões contêm extraordinárias semelhanças com o texto de Gênesis. A mais famosa delas é o Épico de Gilgamesh (ou Gilgamés), encontrado na biblioteca de Nínive e que hoje pertence ao acervo do Museu Britânico de Londres. Segundo especialistas, se somarmos as tradições orais e escritas que encontramos ao redor do mundo, fora as do Oriente Próximo, chega a mais de 100 o número de versões e relatos a respeito de um dilúvio universal que cobriu toda a Terra. Isso demonstra que Moisés não foi o criador da história diluviana, mas apenas o transmissor de um antigo fato que antecedeu o seu próprio tempo.”[5]

Astecas e o Épico de Gilgamesh

“Quando a humanidade foi coberta pelo dilúvio, tudo foi destruído, menos um homem chamado Coxcox… e uma mulher chamada Xochiquetzal, que se salvaram em um pequeno barco; tendo depois repousado em cima de uma montanha, chamada por eles Colhuacan, tiveram lá vários filhos;… todas essas crianças nasceram mudas, até que uma pomba de uma árvore alta se lhes ensinou línguas, mas estas diferiam tanto que eles não podiam se entender.”[6] Uma versão deturpada dos relatos bíblicos de Noé e Babel? Talvez. Essa história vem dos astecas do México – um dos vários contos que falam de uma inundação catastrófica, de geografias remotas e culturas diferentes.[7]

Décimo primeiro tablete do Épico de Gilgamesh, que registra o relato da catástrofe hídrica
Décimo primeiro tablete do Épico de Gilgamesh, que registra o relato da catástrofe hídrica

O relato mesopotâmico da inundação global tem recebido certo destaque, talvez por conta do documentário “Zeitgeist”, de Peter Joseph. Nele, o diretor se utiliza da evidência mesopotâmica para reivindicar um possível plágio bíblico; contudo, o argumento realmente poderoso é o oposto: o fato de outras culturas registrarem a história de uma inundação universal suporta o fato de que, pelo menos, em algum momento da história isso ocorreu. Os detalhes bíblicos, entretanto, provêm maior credibilidade frente aos outros registros. Prova disso, por exemplo, são as dimensões atribuídas à arca no relato mesopotâmico: “Essa história conta que Ea, senhor das águas e guardião dos homens, alertou Utnapishtim sobre o dilúvio pelo qual os deuses destruiríam a humanidade. Ea mandou Utnapishtim ‘derrubar a sua casa e construir um barco’, para ‘levar no barco a semente de todas as criaturas vivas. … Cada um dos lados medindo 120 côvados, formando um quadrado.’ Havia sete convéses ao todo. O dilúvio foi assustador e cheio de fúria. Utnapishtim contou que ‘o deus da chuva tornou a luz em trevas, quando ele esmagou a terra como um copo’. Quando a tempestade diminuiu, Utnapishtm olhou para a face da terra e havia silêncio. Toda a humanidade retornou à argila. A superfície do mar se estendia plana como um telhado… de todos os lados era a desolação das águas’. Utnapishtim soltou uma pomba, que retornou sem encontrar lugar de descanso e depois uma andorinha, com o mesmo resultado. Finalmente, um corvo foi solto, mas não retornou. O barco chegou à terra em uma montanha e Utnapishtim ofereceu uma sacrifício.’[8]

Apesar dos problemas de engenharia do relato (abordaremos mais detalhadamente em Parte 4: Engenharia), o que mais chama atenção são as incríveis semelhanças entre o relato bíblico, asteca e mesopotâmico.

Chineses e os Aborígenes australianos

Chineses e australianos são, por vezes, alvo daqueles que, por argumentos de natureza “cultural” e “geográfica”, não aceitam a cosmovisão criacionista e, por consequência, o Dilúvio. Entretanto, descobertas significativas demonstram o oposto.

Os primeiros estudiosos jesuítas foram os primeiros europeus a terem acesso ao “livro de todos os conhecimentos”, chinês, dos tempos antigos. Essa coleção de 4320 volumes conta a repercussão da rebelião da humanidade contra os deuses. “A Terra foi abalada em suas fundações. O céu do norte se abaixou. Sol, Lua e estrelas mudaram seus movimentos. A Terra foi despedaçada e as águas de seu peito subiram com violência, transbordando a Terra”.[9] Outra história, no folclore dos Bahnars, uma tribo primitiva de Cochin, na China, conta como os rios incharam “até que as águas atingirem o céu e todos os seres vivos morrerem, menos dois irmãos que foram salvos em uma arca enorme. Levaram consigo um par de cada tipo de animal.”[10]

aboriginalsO relato aborígene é impressionante. Foi encontrado por antropólogos numa remota tribo aborígene, antes de qualquer contato com missionários:

“Aconteceu que as crianças mais novas se atormentaram e maltrataram a Coruja Piscante, Dumbi. Ngadja, o Supremo, se ofendeu e sentiu profunda tristeza por ela. Então, instruiu Gajara: ‘Se você quiser viver, pegue seus filhos e esposas e faça uma jangada dupla. Por causa do que aconteceu a Dumbi, quero afogar a todos. Estou prestes a mandar a chuva e a inundação marítima’, disse ele. Coloque nas jangadas alimentos que possam ser amarzenados, como gumi, banimba e ngalindaja, todos estes alimentos do chão. Então Gajara amarzenou todos esses alimentos. Ele também reuniu as aves do céu, como o cuco, o visco-comedor, o pássaro do arco-íris, o pássaro de capacetes e os tentilhões, juntamente com uma fêmea de canguru. Gajara fez de seus filhos e esposa a tripulação. Então Ngadja enviou as nuvens de chuva para baixo, fechando o céu sobre eles. A inundação veio do norte-nordeste e as pessoas foram cercadas por águas salgadas e pelas águas da maré. Ngadja girou as águas e a Terra se abriu, engolindo todas as pessoas. Ele as matou em Dumbey. Enquanto isso, a inundação carregava todos o que estavam na balsa com Gajara para Dulugun. Finalmente, as enchentes guiaram Gajara para esta direção. Ele enviou alguns pássaros do barco, primeiro o cuco. Este achou terra e não voltou mais para ele. Gradualmente as águas foram baixando. Mais tarde, os outros pássaros retornaram a Gajara, que os enviou novamente no dia seguinte. As terras já estacam secando e as criaturas vivas acharam comida e um lar. Eles mataram o canguru depois de desembarcarem; a esposa de Gajara, Galgalbiri, colocou-o no forno de terra e o cozinhou com outros alimentos. A fumaça subiu lentamente até atingir o céu. Ngadja, o Ser Supremo, pôde sentir o cheiro da fumaça da fêmea do canguru enquanto era cozida e ficou satisfeito. Ngadja, o Ser Supremo, colocou um arco-íris no céu para afastar as núvens de chuva. O arco-íris nos protege para que as chuvas não aumentem demais. Nosso povo entende o significado disso. Quando o vemos, pensamos: ‘Não haverá catástrofe’.[11]

Conclusões óbvias, mas rejeitadas (por alguns)

Esses relatos preservados entre diversas culturas espalhadas pelo mundo concordam em pelo menos três pontos:

(1) A água destruiu toda a raça humana e outras formas de vida sobre a terra;
(2) Uma arca ou barco proveu um meio de escape;
(3) Uma família foi preservada para perpetuar a raça humana.

É difícil imaginar que todos esses povos tenham inventado uma mesma história que coincide em tantos detalhes.[12]

O volume de evidências culturais e arqueológicas demonstra que ignorar a (alta) possibilidade de uma catástrofe hídrica num passado remoto é, de fato, muito desonesto. Sem mesmo reivindicar as implicações teológicas do enredo bíblico, a historicidade do relato (com base nas evidências histórico-culturais e arqueológicas) somada aos argumentos científicos (engenharia e geologia), permite-nos admitir que o autor de Gênesis registrou a verdade e que não é (ou não deveria ser) “apenas simbólico”.

Jônatas Duarte Lima

Referências e notas

[1] Dr. Rodrigo Silva, “Encontraram a arca de Noé?”, disponível em http://novotempo.com/evidencias/2013/10/02/encontraram-a-arca-de-noe/.

[2] Ver Michelson Borges, A História da Vida, “O dilúvio de Gênesis: lenda ou fato?”, p. 77-95.

[3] Creation Magazine LIVE!: “Was Noah’s Flood global?” em https://youtu.be/c36LQILHQ18.

[4] Creation Answers Book, “Chapter 10: Was the Flood global?”, disponível para download em http://creation.com/the-creation-answers-book-index.

[5] Michelson Borges, Por que Creio, p. 141.

[6] Frazer, J.G., Folklore in the Old Testaments: Studies in Comparative Religon, Legend and Law (Edição resumida), Avenel Books, New York, NY, EUA, p. 107, 1988.

[7] Citado em “Dilúvio!”, disponível em  http://creation.com/flood-legend-portuguese.

[8] Sanders, N.K., The Epic of Gilgamesh, Penguin Classics, Londres, UK, pp. 108-113, 1972; citado em “Dilúvio!”, disponível em  http://creation.com/flood-legend-portuguese.

[9] Berlitz, C., The Lost Ship of Noah, W.H. Allen, Londres, UK, p. 126, 1987; citado em “Dilúvio!”, disponível em  http://creation.com/flood-legend-portuguese.

[10] Frazer, p. 82.

[11] Funk & Wagnalls, Standard Dictionary of Folklore, Mythology and Legend, 1950; citado em “Dilúvio!”, disponível em  http://creation.com/flood-legend-portuguese.

[12] Michelson Borges, A História da Vida, p. 95.

Leia também “O Dilúvio do Gênesis: Verdade ou Mito? | PARTE 2”

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