O Chamado de 1 Pedro 3:15

Resultado de imagem para conversaTodo cristão tem o desejo de compartilhar as razões da sua fé com outros. Aliás, qualquer pessoa munida de uma verdade por si descoberta, seja de cunho religioso ou não, tem a ânsia de, em momento oportuno, expor ao seu próximo aquilo que descobriu, e como e quando isso aconteceu. Esta é uma essência dos seres humanos que, independente da personalidade de cada um, em algum momento somos pegos compartilhando algo que nos preenche ou que sabemos que tem importância e relevância no contexto que estamos em uma conversa.

Mais ainda quando se trata de assuntos acerca do sentido da vida; em um panorama mais prático: religião. Como disse acima, cristãos de modo geral, sobretudo recém conversos, tem o desejo de compartilhar com seus amigos, parentes e outros os motivos que o levaram a crer em Jesus e tantos outros assuntos contidos na Bíblia. Da mesma forma, observo que esta verdade se aplica a outras classes, como budistas, muçulmanos e ateus. Isso apenas reforça o que foi mencionado anteriormente: que nós, seres humanos que buscam a verdade e o sentido da vida, não conseguimos ser egoístas quando o assunto é compartilhar nossa visão de mundo. Prova disso são as redes sociais: inúmeros textos são publicados diariamente, por pessoas de todas as classes sociais, idades, raças e credos que, em poucas (ou muitas) linhas evidenciam qual seu posicionamento acerca de um tema qualquer. Basta acessarmos o YouTube e digitarmos qualquer coisa que teremos muitos vídeos para sabermos o posicionamento de diversas pessoas sobre um mesmo tema.

Este posicionamento defensivo de uma visão de mundo é comumente referido como apologia (do grego απολογια). É um termo comumente usado para se referir a uma resposta formal a um magistrado, ou a uma defesa por escrito da fé (Pulpit Commentary, 1 Pedro 3:15). De vez em quando, ouvimos frases como “apologia às drogas” ou “apologia ao aborto”, que significam exatamente isso: defesa às drogas, defesa ao aborto. Aquele que faz apologia a um tema em particular é comumente chamado de apologista. Contudo, é de se notar que a conotação mais usual do termo apologia refere-se a alguém de defende especificamente a fé e doutrina cristã. Assim, a matéria que lida com os assuntos que vão contra a fé cristã é chamada de Apologética, representada por seus apologistas. A igreja cristã teve ao longo do tempo diferentes fases no tratamento das objeções apresentadas à suas crenças fundamentais, e hoje estamos no que é chamada de Apologética Contemporânea.

História e definições à parte, é de suma importância entendermos que Deus chama a todos os cristãos, indistintamente, a serem apologistas, defensores práticos da fé que professam. E isto pode acontecer, sem querer ou querendo, nas redes sociais, no trabalho ou na Ceia de Natal. Porém, para muitos isso pode parecer um sério problema. “O que vou dizer”, “como vou falar”, “como vou lembrar” são questões que às vezes assombram os cristãos, que ao mesmo tempo que sabemos do dever e temos a vontade de compartilhar nossa fé, temos medo ou receio de falar ou como falar. Sabemos que algumas preocupações reais na hora de compartilhar nossos pensamentos mais profundos são válidas, porém não podem ser impeditivos para o exercício do chamado mais solene que recebemos de Jesus (Mateus 28:19-20).

O texto base para o chamado apologético, em que somos incitados a sermos defensores práticos da fé que temos, é o de 1 Pedro 3:15-16, que diz:

Antes, santifiquem Cristo como Senhor no coração. Estejam sempre preparados para responder a qualquer que lhes pedir a razão da esperança que há em vocês. Contudo, façam isso com mansidão e respeito, conservando boa consciência, de forma que os que falam maldosamente contra o bom procedimento de vocês, porque estão em Cristo, fiquem envergonhados de suas calúnias. 1 Pedro 3:15,16 NVI

O contexto da passagem acima é a prática do bem, ainda que sejamos expostos a escrutínios e injustiças (1 Pedro 3:9). O apóstolo Pedro apresenta um cenário que, mesmo praticando a justiça, poderíamos sofrer e, apesar disso, deveríamos estar preparados para testemunhar da verdade, da fé que temos.

Muitas vezes é dada atenção somente à parte central do texto, com relação à “razão da esperança” e do fazer com “mansidão e respeito, conservando boa consciência”. Acredito que estes elementos do texto são de extrema importância, uma vez que fazem referência às bases da nossa fé (razão da esperança) e da maneira que devemos nos portar (mansos, respeitosos e conscientes), porém não são o fato gerador de um testemunho vivo da fé. Receio que muitas vezes, com base neste texto, temos uma visão distorcida do chamado a sermos apologistas, em que simplesmente estarmos munidos de boas referências e citações, e com táticas e técnicas infalíveis teremos sucesso na empreitada cristã. Quando fazemos uso somente de recursos externos, estamos fadados à exaltação própria, ao desequilíbrio e à superficialidade. O fracasso está às portas, e nossa mensagem será ineficaz.

O ponto gerador de um testemunho vivo da defesa da fé que temos está na primeira linha do texto, em “santifiquem Cristo como Senhor no coração”. Esta pequena frase, por vezes ignorada na leitura apressada, diz muito quanto à essência de uma apologia cristã saudável e efetiva. Esta frase faz alusão a uma vida com Cristo, como base fundamental para a sustentação de uma visão de mundo cristã. De fato, comentaristas observam nesse trecho do texto uma similaridade com Isaías 8:13, que diz:

Ao Senhor dos Exércitos, a ele santificai; e seja ele o vosso temor e seja ele o vosso assombro. Isaías 8:13 ACR

“Santifiquem”, como diz o apóstolo (e como o próprio Cristo o diz nas primeiras palavras da oração do Pai Nosso), significa guardá-Lo como o mais santo, perfeito em santidade; servi-Lo em reverência e temor. Pedro adiciona ainda as palavras “em nosso coração”, para nos ensinar que esta reverência, esta consagração do Nome de Deus, deve ser interna e espiritual, no nosso ser mais íntimo (Pulpit Commentary, 1 Pedro 3:15). O contexto de Isaías 8:13 era o da invasão dos Assírios como um juízo divino sobre Israel, em que o profeta exorta o povo a deixar a idolatria e práticas erradas, e glorificar a Deus, sendo o temor a Deus ser maior que o temor aos homens.

A análise textual do comentarista pode ser substituída por “uma vida de consagração a Deus”. A primeira frase de 1 Pedro 3:15 antecede as outras justamente por se tratar de um pré-requisito, sem o qual qualquer conhecimento (razão da esperança) ou modos (mansidão e afins) não irá trazer sucesso na empreitada apologética. Apresentar as razões da nossa esperança de forma mansa e respeitosa – o testemunho falado – não será eficiente sem a verdadeira vida ao lado de Cristo – o testemunho vivido. Estarmos agarrados a Jesus, por meio de uma vida de oração e santificação, é a chave para a prática da defesa da fé. Haja vista que, curiosamente, em algum momento somos pegos em cruel hipocrisia, uma vez que nossos atos não condizem com nossa pregação. Falamos como crentes e agimos como descrentes. Isto, por sinal, já foi mencionado como a pedra no sapato do cristianismo, em que muitos descrentes objetam que não se tornam cristãos por causa dos [atos dos] cristãos. O viver cristão, mais do que o falar, é um testemunho poderoso e de maior impacto que o testemunho falado. É, portanto, a base sólida para um testemunho falado eficaz, baseado numa vida de consagração e de todo conhecimento que o cristão tiver ao seu alcance. Ellen G. White, no livro Help In Daily Living, comenta:

Há uma eloquência muito mais poderosa do que a eloquência das palavras na vida quieta e consistente de um puro, verdadeiro cristão. O que um homem é tem mais influência do que aquilo ele fala. […] Somente por meio de uma fé viva em Cristo como salvador pessoal é possível fazer nossa influência ser sentida em um mundo cético (cap. 1, p. 7).

Um exemplo bíblico prático de um testemunho vivo da fé foi Daniel. Por meio do bom comportamento, do bom trabalho, da boa alimentação e outros costumes sadios (Daniel 1), ele e seus amigos se destacaram em meio a outros jovens, em uma nação politeísta, totalmente diferente dos seus costumes. Seu testemunho do verdadeiro Deus não começou com sermões e profecias ou eventos apoteóticos (cova dos leões, estátua de ouro), mas com uma vida respeitável, fruto do seu relacionamento íntimo com Deus. Somente em situações extremas foram exigidos comportamentos extremos, nos quais estes jovens fiéis tiveram sucesso justamente por estarem em comunhão constante com Deus. Sua pregação era, efetivamente, uma imagem da sua vida de devoção a Deus. Caso contrário, teriam sucumbido tão logo fossem expostos à cultura dos Babilônios.

O chamado de 1 Pedro 3:15 é um ciclo vicioso. Para engenheiros, é como se fosse um sistema de controle com realimentação. O sucesso na exposição da nossa fé a outros depende, em última análise, de quanta fé nós mesmos temos. E esta fé, como sabemos, é um dom divino, quem vem da oração e comunhão. Esta fé, por sua vez, é testada testificada pelas obras, que são nosso testemunho vivido prático, pelas quais somos observados e avaliados por aqueles que não partilham da mesma fé que nós. Quando então temos a oportunidade de falar, nossas obras são colocadas à prova, sendo nossa fé validada ou posta por terra. Um falar desrespeitoso não testifica de um caráter respeitoso.

O apóstolo Paulo, em Colossenses 4:6 diz para que o nosso “falar seja sempre agradável e temperado com sal”, para que saibamos “como responder a cada um”. É imprescindível que estejamos atentos em como iremos nos portar em uma conversa, sendo que nosso corpo e língua testificam de quem realmente somos e o que pensamos do outro. Mansidão e respeito, como Pedro diz, devem guiar nossa conversa, sendo que tais qualidades, porém, são cultivadas em uma vida de santificação em Cristo. Nossa autoridade no falar será medida no quanto estamos apegados a Jesus, sem mesmo que nossos ouvintes saibam disso (Mateus 7:28-29). Daí, as dúvidas “o que vou falar” e “como vou falar” não fazem mais sentido, e paramos de falar do que acreditamos para falar daquilo que vivemos.

Jônatas Duarte Lima

 

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