Na tarde do último sábado (19), a escritora Amelia Bonow, de Seattle, nos Estados Unidos, escreveu em sua página do Facebook sobre a experiência pela qual passou realizando um aborto um ano atrás [seria interessante pedir que o bebê também compartilhasse suas emoções ao ser assassinado? Suponho que sua indefensibilidade e consequente morte não permitem]. Ela contou com o apoio e os recursos da Planned Parenthood (Paternidade Planejada, em tradução literal), organização não governamental que provê serviços para saúde reprodutiva [serviços para saúde reprodutiva? saúde?] para milhares de mulheres.
A ONG ainda é muito criticada nos Estados Unidos, principalmente nos estados com governos republicanos — em julho deste ano, Bobby Jindal, governador da Louisiana e possível candidato a presidência do país, clamou por uma “investigação criminal” em torno da organização.
“Eu estou falando sobre a minha experiência hoje porque aqueles que estão fazendo de tudo para desbancar a Planned Parenthood supõem que o aborto ainda é algo que deve ser tratado como um tabu”, disse Amelia. “Muitas pessoas acreditam que, se você é uma boa mulher, a escolha de fazer um aborto deve ser acompanhada de algum nível de tristeza, vergonha ou arrependimento. Mas quer saber? Eu tenho um bom coração e ter abortado me deixou feliz. Por que eu não ficaria feliz em não ter sido forçada a me tornar mãe?” [muitos problemas surgem neste último parágrafo: (1) que padrão moral Amelia Bonow utilizou para se auto-definir “boa”? que referência moral transcendental é essa o suficiente para discernir o bom do mau?; (2) não duvido de que o aborto possa tê-la deixado aliviada, “feliz”; contudo, a vida do feto, que por definição é um ser humano e possui dignidade intrínseca, não é, em hipótese alguma, objeto passível de eliminação apenas para seu bel-prazer; (3) ninguém a forçou a ser mãe; salvo o caso de um estupro – que ainda assim não elimina o fato do direito à vida do feto em formação -, o ato sexual em si foi de livre e espontânea vontade; muito curiosa a consciência natural para o apelo pela manutenção da vida].
O depoimento da escritora e estudante da Universidade de Antioch em Seattle repercutiu nas redes sociais e se consolidou nos últimos dias por meio da hashtag “Shout Your Abortion” (Grite o seu Aborto, em tradução livre) no Twitter. Centenas de mulheres que abortaram por escolha própria estão compartilhando suas experiências e reforçando a visão de que o aborto deve ser uma escolha das mulheres, e não dos governos ou entidades religiosas [o aborto é, antes de uma discussão política e religiosa, uma discussão filosófica-ética e científica; uma vez entendido o valor e justiça da vida em formação que, cientificamente, já é um ser humano, sobra, apenas, para a religião apresentar os aspectos morais práticos envolvidos num aborto e, ao Estado, garantir que a vida e direitos sejam preservados].
Dados da Planned Parenthood mostram que três em cada 10 mulheres dos Estados Unidos têm um aborto até completarem 45 anos. Uma pesquisa realizada por várias instituições estadunidenses, entre elas a Universidade da Califórnia em São Francisco, mostra que 95% das mulheres que escolhem terminar uma gravidez não se arrependem de fazê-lo. Nesses casos, a sensação de alívio é maior do que qualquer tipo de emoção negativa, mostra o estudo [(1) novamente: sensações e emoções não justificam o assassínio; dar-se-ia, se assim o fosse, perdão aos estupradores, pois também ficaram “felizes” por estuprar; (2) o texto aponta para um fator de intensidade; não quer dizer que por haver um sentimento de alívio não haja sentimentos de culpa ou arrependimento; ações sociais com mães, realizadas inclusive por denominações religiosas, que decidiram ter seus filhos – mesmo sendo resultado de um estupro – têm apontado que estas mães jamais se arrependem de ter decidido não abortar].
Um levantamento realizado pelo jornal britânico The Guardian mostra que países como a França, Alemanha, Grécia e Bélgica, por exemplo, possuem leis mais liberais sobre o aborto, enquanto Venezuela, Paraguai e Brasil são alguns dos países com maiores restrições em relação à prática.
No Brasil, o debate está um tanto quanto atrasado. Segundo o Ministério da Saúde, cerca de 1,25 milhão de abortos ilegais ocorrem anualmente no país. Ainda assim, o aborto só é permitido em alguns casos relacionados à violência sexual.
E até esse direito pode ser perdido: está em tramitação na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 5069/2013, que em vez de considerar violência sexual qualquer forma de atividade sexual não consentida, como é a perspectiva da lei brasileira atualmente, define violência sexual como aquela em que os casos resultam em danos físicos e psicológicos. Além disso, caso o projeto de autoria do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, vingar, as vítimas de violência sexual só terão acesso a atendimento hospitalar após passar por um exame de corpo de delito no Instituto Médico Legal (IML) e de registrar queixa na polícia.
(Galileu)
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