O perdão

o-perdao-libertaO ser humano é imperfeito. Seja do ponto de vista material ou espiritual, tanto eu como meus amigos, família e até mesmo os mais considerados e admirados pela sociedade de modo geral estamos susceptíveis ao fracasso, ao erro, à discórdia, à vergonha e, por fim, à tristeza. Tudo isto como resultado de relacionamentos que, por ocasião ímpar, seja lá o que tenha ocorrido, foram levados a um rompimento. E qualquer um de nós, seja novo ou velho, homem ou mulher, acaba passando por isso em determinado momento da nossa vida; e, no mínimo, antes de passarmos, assistimos algo desse tipo ocorrer com alguém próximo.

Talvez, a pior característica que esteja relacionada a este tipo de “quebra” em um relacionamento seja o fator “intensidade”, medido pelos laços familiares ou pelos longos anos de amizade. Uma discórdia com um chefe ou parceiro comercial, ou até mesmo com um “recém conhecido” são, talvez, muito mais fáceis de administrar ou “superar” do que um desentendimento com um pai ou mãe, irmão, tio, tia, primo, prima ou aquele amigo de eras. A intensidade está em um nível mais elevado, e as sensações e emoções vão desde a surpresa pelo ocorrido, até a troca de palavras mais ásperas, por conta da intimidade construída ao longo do tempo – e descontruída em minutos. O resultado é uma mágoa de proporções oceânicas, uma mudez subsequente de se ouvir um palito cair no chão, e o nascimento do orgulho do “eu tenho a razão”. Com o passar dos dias, os ambientes antes comuns de encontros felizes de tornam pesados, os olhares não mais se cruzam, e começa a construção da muralha que talvez só o tempo, sabe lá Deus, será capaz de derrubar, em um futuro incerto. Para piorar, os lados, que para si tem a “razão”, às vezes pensam estar bem; mas a verdade é cruel, pois o que se constrói é tão somente uma vida incompleta pela amizade perdida, pelos assuntos inacabados e pela ferida que pode até cicatrizar – mas a marca vai ficar.

Depois de passarem as mais diversas fases pós-discórdia, os lados pendem a uma espécie de “esquecimento forçado”: aquele do tipo “para mim não faz mais diferença”, e é aí que mora o perigo. Um tipo de pensamento que tenta substituir um relacionamento que já foi saudável (manchado por um episódio único no meio de tantos que, por si mesmos, poderiam lembra-los de que o amor antes nutrido poderia ajuda-los a superar) por um relacionamento com o próprio ego. E a partir daí a tentativa diária passa a ser a de esquecer de tudo: pois lembrar do que já foi bom termina em lembrar por que ficou ruim.

A Bíblia mostra os resultados de relacionamentos quebrados. Por exemplo, Jacó e Esaú, irmãos de sangue, passaram pela amargura da traição (Gênesis 27). Acontecimento similar ocorreu com José e seus irmãos (Gênesis 37). São os típicos capítulos das Escrituras que tomam forma especial quando passamos por situações similares, isto é, quebras de relacionamentos com pessoas queridas. Seja Esaú ou Jacó, a história deixa evidente que ambos sofreram: primeiro pelo que ocorreu e, talvez mais ainda, pela separação. O curioso da história é que ambos erraram: Esaú foi displicente com sua primogenitura (Gênesis 25:27-34), e Jacó foi mentiroso (Gênesis 27). Independente da condução divina no curso da história dos irmãos, é bem possível que se ambos tivessem seguido as ordens de Deus não precisariam passar por tantos problemas e a dor da separação. Foram necessários anos para que a ira de Esaú se findasse e que Jacó criasse coragem, de forma circunstancial, para ir reencontrá-lo (Gênesis 32 e 33). No reencontro, graças a Deus, houve perdão: “Então, Esaú correu-lhe a encontro e o abraçou; arrojou-se-lhe ao pescoço e o beijou; e choraram” (Gênesis 33:4). O coração de Esaú, aquele que havia sido traído, transbordou de perdão ao rever o irmão, arrependido. A ira deu lugar à paz. Foram necessários anos e quilômetros de distância entre aqueles dois homens para que a mágoa e a raiva dessem lugar ao arrependimento e ao perdão. Anos e quilômetros!

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Fato é que Deus consertou os erros de Esaú e Jacó e, na sua infinita sabedoria, deu prosseguimento ao Seu plano de fundar a nação de Israel através da descendência de Jacó. Porém, como já salientei, o plano de Deus não fora inicialmente construído com base no sofrimento deles; seu plano deveria ocorrer naturalmente, pela Sua providência. Ellen G. White salienta que “Deus declarara que Jacó receberia a primogenitura, e Sua palavra ter-se-ia cumprido ao tempo que Lhe aprouvesse, se tivessem pela fé esperado por Ele a fim de operar em favor deles. Mas, semelhante a muitos que hoje professam ser filhos de Deus, não estiveram dispostos a deixar esta questão em Suas mãos” (Patriarcas e Profetas, pág. 123). O ponto é: Deus não deseja o sofrimento de Seus filhos, muito menos que se separem. Estas coisas ocorrem pelas nossas próprias escolhas. Somos falhos e, ainda que tenhamos o mais singelo sentimento e carinho por alguém, estamos propensos ao erro. Todos nós estamos propensos ao erro.

Jesus, diversas vezes, igualmente nos chama à reconciliação:

Tomem cuidado. “Se o seu irmão pecar, repreenda-o e, se ele se arrepender, perdoe-lhe. Se pecar contra você sete vezes no dia, e sete vezes voltar a você e disser: ‘Estou arrependido’, perdoe-lhe. (Lucas 17:3,4)

Nada fácil! É algo que exige pleno cumprimento dos requisitos de Cristo, algo que naturalmente não temos. Por mais que Cristo tenha dado o exemplo, perdoar alguém “sete vezes sete” à primeira vista parece muito para nós suportarmos. Por que? Por que requer que renunciemos a nós mesmos. Requer que tiremos o “eu” do trono da nossa vida e coloquemos Cristo, que pode transformar nosso coração de pedra em coração de carne. Ah, se fazer isso fosse fácil como é de escrever! O pior de tudo é que sabemos que estaríamos melhor, de corpo e alma, se já tivéssemos perdoado.

Pior ainda é lidar com um outro lado do problema:

Portanto, se você estiver apresentando sua oferta diante do altar e ali se lembrar de que seu irmão tem algo contra você, deixe sua oferta ali, diante do altar, e vá primeiro reconciliar-se com seu irmão; depois volte e apresente sua oferta. Entre em acordo depressa com seu adversário que pretende levá-lo ao tribunal. Faça isso enquanto ainda estiver com ele a caminho, pois, caso contrário, ele poderá entregá-lo ao juiz, e o juiz ao guarda, e você poderá ser jogado na prisão. Eu lhe garanto que você não sairá de lá enquanto não pagar o último centavo. (Mateus 5:23-26)

Não há como adorar a Deus em meio a conflitos, discórdias e dívidas. Não há como orar (Mateus 6:12). Quando alimentamos nosso ego, colocamos o “eu” no trono da nossa vida; quando cremos que “temos a razão”, não há como colocar Deus em primeiro lugar: disso depende estarmos em dia com nosso irmão. Um exemplo prático, especialmente na Igreja em nossos dias está o de pregar, orar, cantar ou ofertar, maneiras legítimas de louvor à Deus, enquanto a mágoa e a raiva tomam conta do nosso coração por um irmão que tivemos uma discórdia. A adoração não deve passar do teto!

A motivação prática e generalizada para a reconciliação na Igreja encontra-se em 1 Coríntios 12:12-31. Em especial, Paulo diz nos versos 15 a 17 que “[…] para que não haja divisão no corpo; pelo contrário, cooperem os membros, com igual cuidado, em favor uns dos outros. De maneira que, se um membro sofre, todos sofrem com ele; e, se um deles é honrado, com ele todos se regozijam. Ora, vós sois corpo de Cristo; e, individualmente, membros desse corpo”.

Ok! Na teoria é tudo muito lindo! Mas que dificuldade para renunciar ao próprio eu. Como já dizia a música, “renunciar o próprio eu é difícil pra valer, muito mais do que se pode imaginar; renunciar o próprio eu é o primeiro passo a dar…”. Por mais que se contem histórias bíblicas e recitem passagens dos evangelhos, sem a transformação do nosso coração por Deus não será possível perdoar, afinal, “perdoar é divino”. Talvez a grande questão seja encarar o que podemos estar perdendo quando olhamos para o perdão como uma derrota ao invés de uma vitória; o perdão não nos prende a uma posição de “perdedores”, antes, nos liberta para a vida, para a reconstrução de um relacionamento que pode ter passado por uma fase de aprimoramento; nunca se sabe. Ainda que este seja um olhar otimista, o perdão jamais será uma escolha errada, seja da mãe que perdoa o assassino do filho, ou da esposa que perdoa o marido adúltero. Que situações extremas comparadas aos meus problemas de relacionamento!

A triste verdade é que não há lado vencedor num relacionamento quebrado. Todos perdem. Esaú e Jacó perderam anos preciosos que não voltaram. Seus pais viveram na incerteza de se um dia veriam novamente Jacó, e se os filhos um dia se reconciliariam. Quantas amizades quebradas hoje não desfrutam das mesmas incertezas e lembranças subjugadas pela mágoa? Até mesmo quem está “de fora” do conflito sofre de tabela, infelizmente.

Que Deus tenha misericórdia de nós, e nos dê um coração disposto a perdoar. Que nos dê a certeza de que o perdão, e só este, é capaz de garantir a reconciliação plena e a restauração de um relacionamento que já foi tão bom.

Jônatas Duarte Lima

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